FNE/AFIET debateram Desigualdade de género e insucesso escolar
9 Março 2024
Atualidade
Numa data em que o mundo celebrava mais um Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2024, a Federação Nacional da Educação - FNE e a Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho - AFIET promoveram o seminário "Desigualdade de género e insucesso escolar", englobado nas celebrações deste dia.
O seminário decorreu na sede do Sindicato dos Professores da Zona Norte - SPZN, no Porto e online, via zoom, contando com Anabela Serrão, Vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Avaliação Educativa – IAVE, como oradora convidada para uma ação que teve ainda as participações de Álvaro Almeida Santos e Joaquim Santos e a moderação de Isabel Arribança – todos da AFIET.
João Dias da Silva, Presidente da AFIET, fez as honras da abertura relembrando a importância da celebração deste dia para as mulheres de todo o mundo, citando os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, em particular o objetivo 5, que se refere à igualdade de género. O líder da AFIET lançou a apresentação de Anabela Serrão, recordando a brilhante prestação desta no Seminário FNE/AFIET de 24 de janeiro último, no Dia Internacional da Educação.
Anabela Serrão apresentou uma comunicação sobre ““(Des)igualdades de género e (in)sucesso escolar”. A representante do IAVE conjugou dados diversificados para esta iniciativa, que permitiram identificar diferentes perspetivas sobre o género e a escola, ao nível dos matriculados por nível de ensino, da taxa de conclusão no ensino secundário e no acesso ao ensino superior.
Leitura a favor das raparigas
Os primeiros números convocados resultam de vários estudos comparativos internacionais, como o TIMMS, o PIRLS e o PISA, e sublinham que as raparigas apresentam, em média, melhor desempenho do que os rapazes na literacia de leitura e que os rapazes têm um melhor desempenho na literacia matemática.
Anabela Serrão frisou que desde a década de 90 se verifica um aumento das mulheres que frequentam o ensino secundário, assim como o ensino superior. Depois sublinhou outros dados tais como o facto de as taxas de conclusão do ensino secundário superior para as raparigas serem geralmente mais elevadas do que para os rapazes, em todos os países.
Outro dado diz-nos que em Portugal a diferença de género entre os diplomados é de 5% nos cursos gerais e de 13% nos cursos profissionais. A percentagem de mulheres entre os novos alunos que ingressam no ensino superior de ciclo curto é inferior à média da OCDE (PT 37%, OCDE 53%).
Voltando às literacias de leitura e matemática, nota-se que em Portugal existe uma clara diferença entre raparigas e rapazes, sendo que na leitura as diferenças de género em Portugal são no mesmo sentido que a média internacional (a favor das raparigas), mas menores. Já na matemática, as diferenças de género em Portugal são idênticas à média internacional (a favor dos rapazes), mas muito superiores.
A concluir, a oradora deixou à plateia o desafio de cada um perceber que impressões têm dos resultados para entender que falamos de desigualdades ou de promoção de igualdade no sistema de ensino e nas outras áreas da sociedade.
A perspetiva da gestão e administração escolar
Álvaro Almeida Santos foi o segundo interveniente. O seu tema foco foi "A perspetiva da gestão e administração escolar”. Apoiando-se na sua experiência de muitos anos como diretor de escola, discorreu uma apresentação mais do ponto de vista histórico-sociológico. Após uma contextualização sobre a descida da taxa de analfabetismo ao longo do tempo, em Portugal, algo considerado por Álvaro Santos "fundamental para o progresso", relacionou os números das taxas real e bruta de escolarização no ensino secundário, que nos permite perceber como existiu uma evolução positiva neste setor da educação.
O processo multifatorial ligado ao abandono escolar, e os números que daí advinham, mostravam um contexto social diferente, que levava a números de insucesso muito mais elevado que a passagem dos anos trouxe, verificando-se mais tarde os melhores resultados em termos de género das mulheres, sendo muito necessário, segundo Álvaro Santos, envolver as famílias na escola, com os filhos de ex-alunos a serem um referencial para se perceber as melhorias na aprendizagem. Formas de valorizar pontos fortes e promover o bem-estar? Para Álvaro Santos isso atinge-se com confiança, criatividade, autocontrolo ou sentimento de pertença à escola.
Uma perspetiva Internacional
Coube a Joaquim Santos fechar o lote de intervenções de convidados, abrindo essa participação que se focava na "Perspetiva Internacional" relembrando a diferença entre sexo e género: o termo sexo refere-se às características biológicas e fisiológicas com que diferenciamos homens das mulheres (OMS, 2009) e o termo género refere-se aos atributos e às oportunidades económicas, sociais, políticas e culturais associadas ao ser-se homem ou ser-se mulher.
Joaquim Santos, ainda numa fase inicial da sua intervenção, lembrou, que ao nível global, as Nações Unidas defendem a desigualdade de género nos seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 5 tem como objetivo “Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas, através da promoção dos direitos da mulher, da emancipação económica e da redução da pobreza”. Por isso a equidade de género e a educação são considerados essenciais para o Desenvolvimento Sustentável do planeta, em todos os aspetos.
Tais questões são tão importantes que integram a Agenda 2030 da ONU, não apenas como diferentes objetivos, mas também como aceleradores, para que possamos alcançar todos os outros 16 objetivos da Agenda, incluindo o ODS 4, que é a Educação.
Ademais, a Recomendação 4 do Painel de Alto Nível da ONU para a Profissão Docente (26 de fevereiro de 2024) é sobre o Género, Equidade e Diversidade e refere muito claramente que “Todos os Governos devem adotar estratégias para a inclusão e a diversidade, incluindo políticas que visam a igualdade de género, tais como atrair professores do sexo masculino na primeira infância e nos níveis primários, garantir o desenvolvimento profissional e a mobilidade ascendente para as professoras e atrair mulheres para a área STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática”.
Segundo Joaquim Santos, as desigualdades de género persistem a nível global e dados da União Europeia - UE (incluindo da Rede Eurydice), do Fórum Económico Mundial, da OCDE, entre outros, comprovam-no. Ao nível da educação, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género – EIGE, este é um dos objetivos fundamentais da política europeia. Com 70,2 pontos em 100, a UE ainda tem muito a fazer para alcançar a igualdade de género.
A pontuação atual da UE representa uma melhoria moderada de 1,6 pontos em comparação com a edição anterior do Índice. Por enquanto, as mulheres licenciadas continuam a ter mais dificuldade do que os homens com idêntica formação em arranjar emprego ao nível das suas qualificações. E entre os licenciados, os homens continuam a ser maioritários nas áreas STEM.
Já ao nível de salários a nível internacional, e sustentado em dados oficiais da UE, Joaquim Santos referiu que as mulheres ganham aproximadamente 20% menos que os homens e, ao ritmo atual, serão necessários 257 anos para alcançar salários iguais para trabalho igual. Colmatar esta lacuna requer um esforço concertado para aumentar a transparência salarial, combater a segregação profissional, melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, melhorar a proteção social e salários mínimos justos.
Mulheres ganham menos 20% que os homens
Citando um artigo de Maria Helena Santos (revista “ex aequo”, de 2017), "É, pois, essencial ir à origem do problema e apostar muito cedo na desconstrução dos estereótipos de género nas áreas da educação e da formação", sendo que em Portugal, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) criou 4 guiões de Educação, Género e Cidadania (Pré-Escolar, 1º, 2º e 3º ciclos) e desenvolveu ações de formação de docentes e de intervenção em escolas-piloto. Já ao nível do insucesso escolar, a investigação comprova que a «feminização» da educação não afeta a qualidade e é pouco relevante no desempenho escolar.
Este membro da AFIET deu um grande destaque à publicação “As Diferenças de Género nos Resultados Escolares: estudo sobre as medidas tomadas e a situação atual na Europa”, da rede europeia Eurydice (2010), que apresenta sete grandes conclusões, ainda hoje válidas no contexto internacional: a investigação sobre género e educação salienta a importância dos estereótipos de género; o género é apenas um dos fatores que afeta o aproveitamento escolar; a desigualdade de géneros é em muitos países uma preocupação, mas continuam a faltar políticas globais; o currículo deve levar em conta a orientação e o contexto escolar para combater os estereótipos de género.
A acrescentar aos pontos anteriores, as políticas que visam fazer face às diferenças de género nos resultados escolares centram-se, principalmente, no fraco aproveitamento escolar dos rapazes e as políticas de igualdade de género no ensino superior centram-se, principalmente, na segregação horizontal.
Por oposição, a segregação vertical refere-se ao fenómeno das mulheres que concluíram o ensino superior estarem em maior número que os homens, mas estarem sub-representadas ao nível do doutoramento, e de haver um número ainda menor de mulheres entre os quadros superiores das universidades. A segregação vertical refere-se, pois, à sub-representação das mulheres nos níveis superiores da hierarquia profissional.
Referindo-se à OCDE, Joaquim Santos citou dados do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e do TALIS de 2018. A igualdade de género na educação é uma questão de justiça social, de criação de oportunidades e de exercício da liberdade. É crucial para o desenvolvimento sustentável, para sociedades pacíficas, para o bem-estar individual e para a macroeconomia. No geral, os rapazes têm mais probabilidades do que as raparigas de não atingir um nível básico de proficiência em leitura, matemática e ciências.
Em jeito de conclusão, Joaquim Santos referiu que apenas alguns países procederam ao desenvolvimento de programas especiais com vista a melhoria das competências de leitura por parte dos rapazes e do aproveitamento escolar das raparigas em ciências e matemática. A profissão docente é maioritariamente feminina nos primeiros níveis da educação. As estratégias que visam atrair mais homens para a docência, no ensino obrigatório, continuam a ser esporádicas e as políticas relativas à formação de docentes não têm especificamente em conta a questão do género.
Pedro Barreiros: “Mais intervenção para as mulheres”
Pedro Barreiros, Secretário-Geral da FNE, fez o encerramento desta iniciativa, reforçando que "as práticas do dia a dia e os contextos em que vivemos, permitem-nos chegar a conclusões. E por isso é preciso olhar e ver o papel que as mulheres têm dentro das nossas organizações. É preciso e necessário que as mulheres tenham um maior espaço de intervenção. Nada proíbe a participação maior da mulher, mas sabemos que o papel da mulher na sociedade ao nível familiar, por exemplo, limita o tempo para algo mais. Era importante que, além deste dia, fossemos mais consistentes nos restantes dias do ano, a debater este tema e outros afins".
Este seminário foi a forma de a FNE e a AFIET se associarem ao Dia Internacional da Mulher, celebrado pela ONU desde 1975, e que este ano escolheu como tema das celebrações "Investir nas mulheres: Acelerar o progresso". Debater a problemática das desigualdades de género e os insucessos escolares é uma forma diferente de o celebrar.