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Programa do novo Governo tem de abrir portas ao diálogo e à concertação


1 Dezembro 2015

Destaques

Programa do novo Governo tem de abrir portas ao diálogo e à concertação

É imprescindível que haja alterações nas políticas educativas, mas elas não podem voltar a ser a expressão do voluntarismo ou da urgência de apresentar resultados. Uma visão de um futuro com mais elevados níveis de qualificação para todos os portugueses tem de assentar na preocupação de assegurar a confiança da sociedade no seu sistema educativo, pela estabilidade das políticas.

Mas também tem de repousar na mobilização dos atores essenciais, desde logo os professores, e também as famílias, os alunos, os trabalhadores não docentes.

Não será adequado que se proceda a alterações apenas para que se diga que se está a mudar, sem que haja a preocupação de avaliar antes de mudar e de identificar o caminho que se vai seguir, enunciando os objetivos que se pretendem atingir e conseguindo a mobilização dos que vão ser responsáveis pela sua concretização.

A FNE será parceiro ativo no diálogo que vier a ser aberto, e tem propostas claras quanto às prioridades e calendário das matérias que pretende ver tratadas.

Entende-se que um Programa de Governo possa ser razoavelmente genérico, deixando as concretizações para momentos posteriores, até para poderem vir a constituir o efeito e o resultado de processos de participação social. No entanto, no momento em que é conhecido o texto do programa que vai ser submetido à Assembleia da República, importa assinalar quais são algumas das orientações que decorrem desse programa, para que possamos determinar a nossa posição para os processos negociais que se lhe vão seguir.

O novo Governo entra em funções em circunstâncias que o responsabilizam fortemente em relação a elevadas expetativas criadas na perspetiva da mudança e de revisão de políticas que se revelaram fortemente negativas para os portugueses. Tem agora de dar expressão a esses anseios.

O programa de governo anuncia o compromisso de um "novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia de consolidação das contas públicas assente no crescimento e emprego, no aumento do rendimento das famílias,...". Também se compromete a "melhorar a capacidade de o Estado garantir a provisão de serviços públicos universais e de qualidade." Ora, objetivos desta natureza merecem a nossa concordância e a nossa disponibilidade para contribuir para a sua concretização.

Estamos em presença de um programa que anuncia a intenção, relativamente à Administração Pública, de promover o fim dos cortes salariais, a reposição integral dos salários, o descongelamento das carreiras. Esta intenção vem na linha de reivindicações que afirmamos desde há muito, sublinhando-se a necessidade de que estas medidas se concretizem a partir de janeiro de 2016. Mas tais medidas só ficarão completas quando se assegurar a recuperação do tempo de serviço congelado, para efeitos de futuras progressões dos trabalhadores deste setor.

Regista-se também como uma resposta adequada às nossas preocupações o compromisso de "combater a precariedade e reforçar a dignificação do trabalho, diminuindo o número excessivo de contratos a prazo e aumentando a taxa de conversão dos contratos a prazo em permanentes". No setor da educação esta é uma chaga que tem atravessado todos os níveis de ensino, do básico ao secundário, e todos os tipos de trabalhadores, docentes e não docentes. Mas a resposta cabal a este problema não se limita a uma ação que envolva apenas novas situações que se criem a partir de agora. É necessário que os que foram vítimas desta precariedade sucessivamente instalada no sistema vejam reconhecidos os seus direitos, retroativamente.

Ao que se conhece do Programa do novo Governo, a ser debatido na Assembleia da República nos próximos dias 2 e 3 de dezembro, ele assume como prioritário, na área da Educação, o combate ao insucesso escolar, o que merece a concordância da FNE. Este objetivo deve ter concretização, para além do que sumariamente se refere no documento, em outras decisões, como a sub-divisão de muitos agrupamentos de excessiva dimensão, a diminuição do número de alunos por turma, e do número de níveis por professor, a definição de equipas multidisciplinares, a revisão de programas e de metas inadequados, a revisão do modelo dominante de testes e exames para a avaliação dos alunos. Estes objetivos não podem deixar de ter em consideração preocupações de garantia de equidade.

Outras afirmações que constam do programa, pelo seu caráter genérico, facilmente provocam a sua aceitação, mas as opções sobre a sua concretização é que acabarão por poder constituir as questões mais complexas, o que só se conseguirá ultrapassar em função de claros espaços de efetiva participação e de mobilização dos atores.

Incluem-se aqui as questões relativas ao reforço da autonomia das escolas e da valorização dos docentes.

A referência à autonomia das escolas e à valorização dos seus profissionais é uma constante dos programas dos governos e dos discursos dos responsáveis políticos, mas a verdade é que, na prática, ao que se assistiu até hoje foi ao reforço dos controlos centralizados e ao crescimento da pressão burocrática sobre os professores e os diretores em particular.

Ainda ao nível da autonomia das escolas, o programa do governo afirma que o combate ao insucesso escolar se centra "na escola, na sua organização, autonomia e iniciativa para a identificação das estratégias mais eficazes." Mas esta autonomia tem de ter tradução em capacidade de tomar decisões, o que só se consegue com disponibilidade de recursos humanos e económico-financeiros e com condições efetivas para a sua gestão flexível.

Em relação à anunciada valorização dos profissionais da educação, torna-se imprescindível a delimitação clara dos tempos de trabalho dos docentes, com a determinação de limites precisos em relação à componente letiva, à componente não letiva e à componente individual de trabalho, com respeito pela revisão do limite do tempo de trabalho nas 35 horas, com a revisão do regime de concursos de forma a assegurar-lhe transparência e eficácia, com a revisão dos regimes de formação inicial e de formação contínua, bem como a regulamentação do período de indução.

Insere-aqui também o estabelecimento das carreiras específicas dos trabalhadores não docentes da educação, com a identificação dos respetivos conteúdos funcionais, o que tem ainda de incluir programas claros de oferta de formação contínua alargada, disponível para todos.

Também registamos positivamente a importância que é atribuída neste programa de governo ao crescimento das qualificações dos adultos e ao reforço da lógica da aprendizagem ao longo de toda a vida. É do conhecimento geral que temos, na população adulta, um claro deficit de qualificações escolares e profissionais, com graves consequências para a qualidade do emprego e das possibilidades de emprego que se abrem particularmente para os mais velhos. Há urgência em consolidar e reforçar programas de reconhecimento e validação de conhecimentos e competências.

O Programa do Governo assume, e bem, como não podia deixar de ser, o objetivo de termos 40% de diplomados com o ensino superior, como consta da Estratégia 2020, embora se saiba que dificilmente será concretizado. De qualquer modo, o objetivo é de elevada importância para as condições de desenvolvimento do país e deve constituir uma meta a atingir tão cedo quanto possível.

Ainda em relação ao ensino superior, o Programa identifica como ação a desenvolver a revisão do regime jurídico das instituições do ensino superior, o que tem de estar associado à revisão do regime de financiamento do setor, assegurando a sua autonomia.

Já em relação à transferência de competências para as autarquias, o programa refere que "será alargada a participação dos municípios no domínio da educação, ao nível do ensino básico e secundário, com respeito pela autonomia pedagógica das escolas". Trata-se de uma formulação excessivamente vaga e que deve ter concretização posterior, mas na sequência de um forte diálogo social que envolva as autarquias, os sindicatos e os pais e encarregados de educação.

Deste modo, estamos em presença de um programa que afirma em vários momentos que é distinto do anterior e que preconiza soluções diferentes das que foram adotadas pelo governo anterior. Assume o objetivo de seguir um caminho que não repete a austeridade e que promove o crescimento e o emprego, sem precariedade. Nada assim que seja diferente do que preconizamos através da nossa intervenção politico-sindical, particularmente desde 2009, quando se evidenciaram os primeiros sinais da crise económico-financeira. Por isso, é preciso que estes objetivos tenham sucesso, que sejam concretizados e que, na sua ação futura, o governo saiba seguir os caminhos que possam fazer com que estes objetivos sejam atingidos.

A nossa posição de partida, como sempre, é a da disponibilidade para o diálogo, para a apresentação de sugestões, para a crítica frontal ao que considerarmos incorreto, para a procura concertada de soluções em que o beneficiário seja um sistema educativo de mais qualidade, para alunos melhor preparados, com profissionais respeitados, reconhecidos e valorizados.

 

Porto, 1 de dezembro de 2015


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