23 Maio 2016
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Nuno foi constituído arguido e impedido de sair do país porque usurparam a sua identidade, um crime que segundo a Comissão Nacional de Proteção de Dados é cada vez mais frequente e que as pessoas facilitam ao exporem-se na internet.
Nuno só “facilitou” porque deixou a carteira dentro do automóvel e foi lá que a roubaram. Apresentou de imediato queixa na polícia e tratou de arranjar novos documentos. Ao fim de três meses, contou à Lusa, foi chamado à secção de inquéritos da PSP por supostamente ter passado cheques sem cobertura.
“Estavam a usar a minha identidade. Fui constituído arguido e impedido de sair do país durante um ano”, o tempo que durou o pesadelo. O tempo em que alguém se fez passar por ele e comprou materiais de construção no valor de milhares de euros.
Foram, diz, quase uma dezena de cheques e novamente chamado à polícia para “fazer ditados” (para compararem a letra). Tudo “muito estranho”.
Mas Clara Guerra, coordenadora do serviço de informação e relações internacionais da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), diz que não é estranho, mas sim uma prática cada vez mais comum, facilitada hoje pela displicência com que pessoas e instituições divulgam e expõem dados pessoais na internet.
A Lusa pediu à Polícia Judiciária (PJ) dados sobre queixas de usurpação de identidade, mas não obteve resposta. No entanto, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2015, “o crime de burla informática e nas comunicações subiu 30,4 por cento em 2014” relativamente ao ano anterior, subindo também 4,3 por cento o crime de falsificação de documentos.
Dados divulgados pela GNR em novembro passado dão conta de 680 crimes relacionados com burla informática e nas comunicações em 2014 (que têm vindo a aumentar desde 2012) e outras tantas queixas de falsificação ou contrafação de documentos.
A usurpação acontece tanto no mundo físico como no digital, avisa Clara Guerra, explicando que até no lixo há muita informação, porque há pessoas que aí colocam, por exemplo, faturas, sem as destruir primeiro. Ou até mesmo cartões multibanco caducados.
“Através disso, através da engenharia social, conseguem-se obter dados, abrir contas bancárias. E hoje, na internet, as pessoas disponibilizam muitos dados, relacionam-se com empresas à distância, faz-se identificação remotamente”, diz.
E depois, acrescenta, pode acontecer um roubo de identidade, até sem a vítima saber, para com ela se praticarem atos ilícitos. E as “pessoas podem ter dificuldade em provar que não foram elas as autoras desses atos”.
Este ano, a CNPD colocou a usurpação de identidade no centro do debate, um instrumento de crime que afeta 200 mil pessoas por ano nos Estados Unidos só no serviço de saúde, com 25 por cento dos britânicos a já terem sido alvo de roubo de identidade, salienta Clara Guerra.
Ninguém está a salvo, diz. E, por isso, há precauções que podem ser tomadas, como “não andar sempre com o wi-fi do telemóvel ligado”, porque há formas de simular uma rede pública e aceder ao conteúdo de telemóveis, mas também de computadores, como há formas também de obter remotamente dados de passaportes ou de identificadores de Via Verde (radiofrequência).
“E depois há uma prática antiga, que começou com o Bilhete de Identidade e não se percebe porquê”, lamenta. Clara Guerra explica que hoje se pedem fotocópias ou digitalizações do Cartão de Cidadão “por tudo e por nada”, o que é ilegal, e que tem motivado muitas queixas à CNPD. “As pessoas devem apresentar queixa”, frisa.
E diz que o próprio Banco de Portugal deu indicações aos bancos para tirarem fotocópias do Cartão de Cidadão. “Já avisamos o Banco de Portugal que não se pode sobrepor à lei”, diz a responsável, acrescentando que de nada serviu.
Ainda assim, a sensibilização e formação é o caminho para “atalhar o crescimento do problema”, desde ações nas escolas à análise das práticas das empresas e entidades públicas quanto à recolha e tratamento de dados.
“Queremos identificar para pode intervir. Estabelecer regras práticas e claras do que as entidades têm de observar quando estão a fazer tratamento de dados”, diz.
A prevenção, dar orientações, acompanhar, bem como as boas práticas na forma como as entidades públicas tratam informações sobre os cidadãos ou como se faz a autenticação à distância, são formas de combater “um fenómeno que pode ser complicado”.
Porque é complicado alguém descobrir que foi feito um empréstimo em seu nome, que tem um carro para pagar, que passou cheques sem cobertura. Não tivesse o Nuno conseguido provar a inocência e a ele ia calhar-lhe pagar a construção de uma casa.
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