31 Maio 2023
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Pedro Barreiros foi eleito secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE) há pouco mais de uma semana, no congresso da federação de sindicatos da Educação, em Aveiro. Em entrevista à CNN Portugal, confirmou que já foi entregue um pré-aviso de greve de professores aos exames nacionais e adiantou que os sindicatos já foram convocados para uma reunião para decidir os serviços mínimos para essa paralisação. O dirigente sindical assume que “os professores vão aproveitar todas as oportunidades para fazer ver ao Governo que não vão parar” e que, se o executivo continuar intransigente relativamente a algumas das “linhas vermelhas” dos docentes, a luta nas escolas vai continuar “desde o primeiro dia” do próximo ano letivo.
Além dos 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço congelados, Pedro Barreiros lembra que os professores também reclamam melhores condições na escola pública e uma política de atratividade que traga jovens para a carreira docente.
Quanto ao ministro João Costa, Pedro Barreiros acredita que as políticas da Educação não lhe podem ser imputadas, já que “parecem ser mais políticas decididas por outros ministérios” ou até pelo primeiro-ministro.
Foi eleito o secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE) numa altura de forte contestação no setor. O que é que espera deste mandato?
Espero contribuir pelo menos para que esta situação complicada possa ser ultrapassada o mais depressa possível.
Efetivamente, se pudesse escolher um momento ou altura, não seria com certeza este. Um momento de maior acalmia seria bem mais interessante para se fazer um projeto que, por si só, já é longo, mas foi o período que me calhou e é este período que vou abraçar com todo o empenho e com toda a força para representar o melhor possível os trabalhadores da Educação.
O PS esteve ausente da cerimónia de tomada de posse. Que leitura é que faz desta ausência?
Estranhamos e lamentamos o fato do PS não se ter feito representar no nosso congresso. Convidámos todos os partidos. Certamente que quem fosse do PS seria bem acolhido e bem recebido. Sabemos distinguir aquilo que são os confrontos que temos e o contexto de luta que temos, daquilo que é a relação institucional entre organizações. Não havia qualquer risco de serem mal recebidos, bem pelo contrário. Gostaríamos muito de os ter connosco.
A FNE não é uma organização qualquer, tendo em conta a sua história, tendo em conta o seu compromisso, tendo em conta a sua disponibilidade para acordos. Foi com a FNE que foi conseguido o Estatuto da Carreira Docente, foi com a FNE que foi conseguido o subsídio de desemprego para os professores. Tantas e tantas conquistas laborais ao longo dos tempos, mas não foi a FNE sozinha, foi a FNE com os governos de então. Queremos que este Governo tenha a mesma disponibilidade que outros, independentemente das cores políticas. Não nos importa minimamente o Governo com o qual fazemos acordos, queremos é conseguir e obter ganhos para os trabalhadores.
Como são as reuniões com a equipa ministerial. São reuniões tensas, democráticas, pacíficas…?
Diria que as últimas reuniões têm sido reuniões rituais. Quando se coloca numa sala dez organizações ou mais, em que cada uma quer colocar os seus argumentos em cima da mesa e o Ministério da Educação se limita a ouvir e a fazer alguma consideração no final, é pouco. Quando o Ministério da Educação vai para uma reunião sem nos apresentar qualquer documento inicial, é mau. Quando saímos das reuniões sem sequer ter obtido na própria reunião uma proposta concreta, um documento que possamos analisar, é muito mau. Quando saímos de uma reunião no Ministério da Educação com o compromisso que posteriormente nos será enviado esse documento e esse documento nunca chega a ser enviado, é péssimo. Quando somos obrigados a pedir uma negociação suplementar, não tendo tido sequer a versão final do documento, é inqualificável.
São processos negociais que de negociais têm muito pouco, porque a negociação tem de ter, da parte daqueles que a estão a fazer, abertura, disponibilidade, franqueza, verdade acima de tudo.
O Ministério da Educação vai arrastando estas negociações, conseguindo passar para a opinião pública uma imagem que não corresponda à verdade. Passa para a opinião pública uma imagem de grande disponibilidade, de grande aproximação, mas não é isso que nós, nas mesas negociais, sentimos e não é isso, principalmente, que os professores sentem nas escolas.
Este ministro, quando era secretário de Estado, era bem visto pelos professores. Agora, como ministro, já há uma visão diferente dos professores em relação ao ministro João Costa. Concorda com, por exemplo, Mário Nogueira, quando ele diz que este ministro não tem condições para continuar?
Quanto à capacidade para ser ministro da Educação, houve um Governo que foi eleito, houve um Governo que tem uma maioria absoluta, foi a escolha dos portugueses, e há um Governo e há um primeiro-ministro que escolheu, para liderar os destinos do Ministério da Educação, uma determinada pessoa. Nada tenho a dizer quanto ao professor Dr. João Costa, ao Sr. Ministro da Educação, do ponto de vista do pessoal, do ponto de vista do trato. Agora, do ponto de vista das políticas, a meu ver parecem-me ser mais políticas decididas por outros ministérios que não o Ministério da Educação. Parece-me que o Ministério das Finanças e a Administração Pública e o próprio primeiro-ministro têm tido uma responsabilidade bem maior do que a responsabilidade que possa ser atribuída ao Ministro da Educação, porque o que está em causa sistematicamente são problemas financeiros.
O próprio ministro já nos disse que concorda com muitas daquelas que são as reivindicações dos professores. Respeita-as, concorda com elas, percebe-as, mas não tem capacidade financeira para dar resposta. Pessoalmente, entendo que é um esforço enorme para o Ministro da Educação quando se vê incapaz de dar resposta àquilo que são as suas ideias. Colocando-me na pele do ministro só posso optar por duas vias: ou sinto que tenho condições para levar as minhas ideias e o meu programa adiante ou, não tendo essas condições, bater com a porta e ir-me embora.
Presumo que o senhor Ministro da Educação sinta que tem as condições porque ainda não bateu a porta.
Uma das críticas que é feita aos sindicatos de professores é que são sempre os mesmos que estão à frente dos sindicatos. Habituámo-nos a ver João Dias da Silva à frente da FNE e a ver Mário Nogueira, por exemplo, à frente da FENPROF. João Dias da Silva esteve 19 anos à frente da FNE. O próprio Pedro Barreiros era vice-secretário-geral de João Dias da Silva. Há aqui uma continuidade? São sempre os mesmos?
Não são sempre os mesmos. Mas a nossa capacidade em termos de recursos humanos, de recursos materiais e, olhando também muito especificamente para quem compõe a carreira docente, hoje não temos professores novos. Não há professores com menos de 30 anos de idade. Ou seja, o rejuvenescimento que também é preciso no movimento sindical é cortado, porque não há professores jovens.
Os sindicatos são unânimes em destacar a importância da união das diferentes estruturas nesta luta. Mas estarão os sindicatos verdadeiramente unidos?
Se existem vários sindicatos é porque há algo, do ponto de vista identitário, que os distingue. Não são todos iguais, porque senão não faria sentido existirem tantos sindicatos.
A FNE e a FENPROF têm visões políticas e sindicais diferentes. Aquilo que nos une no atual contexto e que já nos uniu no tempo da ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, são problemas específicos, bem identificados e nas quais há uma convergência na ação. Continuamos a ser diferentes e continuamos a pensar de forma diferente e a querer atingir por vezes os objetivos por caminhos diferentes. Agora, o objetivo é comum.
É professor de Educação Visual. Pertence ao Agrupamento de Escolas de Cabeceiras de Basto, é um agrupamento do interior do país e conhece bem por isso também as desigualdades e as injustiças e as fragilidades da escola pública. Como é que é ser-se professor no interior do país, fora dos grandes centros urbanos?
No que diz respeito às dificuldades, por exemplo, o acesso à internet. Falamos em planos tecnológicos e em equipar as escolas com milhares ou milhões de euros em computadores, mas verificamos que, posso lá pôr o melhor computador do mundo, mas a Internet é fraquíssima e há locais onde, simplesmente nem existe.
Há muitas escolas que precisam de ser requalificadas e os alunos não têm espaços onde possam fazer atividade física e desportiva.
E faltam professores. Corremos o risco de, daqui a 10 anos ou menos, não haver professores.
E o que se pode fazer para atrair jovens para a profissão docente?
Todos entenderão que uma profissão atrativa passa pelo nível salarial dessa mesma profissão.
Só que depois há uma realidade específica na área da Educação. Faltam professores na Grande Lisboa e no Algarve, os dois pontos mais críticos. Mas, quando olhamos para os estudos da PORDATA, para os estudos da NOVA, para todos os estudos que têm sido feitos ao longo dos tempos, verificamos que em 2030 vão também começar a faltar professores no Norte e em outras localidades. Era importante que o Ministério da Educação definisse estímulos fiscais, apoios à deslocação e à residência. Neste momento os professores que vão concorrer para a vinculação têm 40, têm 43, têm 45 anos, têm filhos, têm maridos ou mulheres e deslocalizar. E mudar drasticamente toda uma vida é muito difícil.
E tivemos agora uma oportunidade de ouro, que foi este diploma de concursos que foi promulgado pelo Presidente da República, que foi uma oportunidade perdida. Ao obrigar os docentes que queiram vincular a ter de concorrer a nível nacional fez com que muitos não o quisessem fazer. Aquilo que era uma oportunidade de dar resposta à falta de professores em determinadas localidades não vai ser conseguido, porque os professores simplesmente desistem e preferem, ou mudar de profissão, ou ficar em situação precária, do que arriscar-se a ir parar a 200 ou 300 quilómetros de casa.
Quais são as reais reivindicações dos professores. Quais são as “linhas vermelhas”?
Os professores querem ter uma avaliação de desempenho que seja justa e transparente. Querem que o tempo que trabalharam efetivamente lhes seja contabilizado para efeitos da sua carreira. Há uma ideia que por vezes importa ficar clara. As pessoas não querem que lhes paguem os salários desse tempo. As pessoas só querem que esse tempo seja contabilizado para aquilo que é a sua carreira.
Mas há mais reivindicações e uma daquelas que também é menos falada e que é tão sentida por todos tem a ver com os limites do tempo de trabalho. Um professor hoje acorda às seis ou sete da manhã, começa a ser professor desde que acorda e só deixa de trabalhar ou de estar ligado àquilo que é o seu trabalho por vezes à meia-noite, à uma ou às duas da manhã. Há uma multiplicidade de funções dentro da escola que obrigam o professor a trabalhar para além daquilo que é a componente letiva.
Que propostas concretas é que a FNE tem para recuperar os 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço congelado? E quanto é que isso vai realmente custar?
Temos de compatibilizar aquilo que é capacidade orçamental com aquilo que são as nossas reivindicações. Percebemos que tem impacto financeiro, não está previsto neste orçamento, pode prever-se para os próximos. Sabemos, porque perguntei ao senhor ministro quanto é que efetivamente isto iria custar. A resposta do Ministro da Educação foi de que iria custar 311 milhões de euros/ano.
Pedimos que, pelo menos até ao final da legislatura, se possa olhar para aquilo que é capacidade orçamental e, de uma forma responsável, se possa começar e dar início a um processo de recuperação desse tempo. Dar continuidade ao processo de recuperação de tempo de serviço, para que cheguemos daqui a três ou quatro anos, nem que seja já com o novo Governo, se possa garantir que todos os professores vão recuperar esse tempo.
Da nossa parte, não há a inflexibilidade que querem dizer que temos.
Os 311 milhões de euros que o ministro diz que custa por ano, convém que haja também a consciência que esse valor vai tender a zero. Com as aposentações que vão surgindo (e são muitas), significa que vai haver professores que vão saindo gradualmente do sistema até chegarmos a um ponto em que não há custo nenhum para o Governo.
Há aqui sim uma falta de disponibilidade da parte do Governo e concretamente do primeiro-ministro porque está refém daquilo que disse há quatro anos, quando ameaçou com a sua demissão caso fosse recuperado esse tempo de serviço. De que forma que ficaria o primeiro-ministro caso agora decidisse recuperar esse tempo?
O STOP já anunciou a greve às avaliações de final de ano eletivo. Os sindicatos da plataforma que integra a FNE e a FENPROF também vão avançar com greve aos exames nacionais?
Aquilo que decidimos no nosso congresso, nos dias 20 e 21 de maio, em Aveiro, foi a marcação da greve para o dia 6 de junho de 2023, com as concentrações no Porto e em Lisboa. E assumimos que iríamos dar continuidade a todas as ações de luta, em convergência ou por nós mesmos, até ao final do ano eletivo e, caso não haja da parte do Governo disponibilidade para nos sentarmos à mesa verdadeiramente para negociar e obter algo de concreto, no início do próximo ano eletivo, desde o primeiro dia de aulas, continuarmos com a manifestação, continuarmos com aquilo que é o nosso descontentamento. Até lá, as greves às avaliações, as greves aos exames, tudo aquilo que possam ser formas de pressão, vamos utilizá-las de forma estratégica para vermos quais são aquelas que melhor respondem àquilo que são as nossas reivindicações.
Não teme que, a certa altura, a opinião pública deixe de estar do vosso lado? Que mensagem pode deixar aos pais que adivinham que o próximo ano letivo vai ser como este?
Por vezes dá a ideia de que os sindicalistas e os professores não são pais e não são mães e não têm os filhos nas mesmas escolas. E nós temos.
Uma greve tem custos. O professor, o trabalhador, nesse dia que faz greve, não recebe salário. Todos temos de abdicar de um dia de salário (e, neste caso, não é um dia, já têm sido muitos dias de salário). Se continuamos a luta com tanto custo pessoal, é porque o problema é mesmo grave e sério. Não fazemos greve só porque sim. Fazemos porque realmente, para nós, a nossa profissão, a nossa carreira, a nossa identidade profissional é de tal forma valiosa que nós não podemos fazer outra coisa que não esta.
As greves têm sido feitas, no caso da FNE, com conta, peso e medida, não foram assim tantas. Nós não fizemos greves por tempo indeterminado, não fizemos greves por períodos muito extensos, são greves cirúrgicas, para que possam conciliar aquilo que é a capacidade financeira de quem as faz, com também aquilo que é a importância que damos aos pais e aos nossos alunos no sentido de poderem ter escola.
Mas esta questão da greve às avaliações que implica com o futuro de muitos jovens que estão a transitar de nível escolar ou até no processo de acesso à Universidade, pode ser aqui um ponto de rutura do entendimento que os pais têm da luta de professores?
É um ponto que vai certamente ser tentado aproveitar pelo Governo e pelo Ministério da Educação para virar a opinião pública contra os professores. E a tal narrativa que vão criar vai ser precisamente essa. Porque é um discurso simples, populista e que pega.
Na verdade, já houve greves às avaliações e greves aos exames no passado. Foi por isso que os alunos não foram para o Ensino Superior? Foram todos para o ensino superior. Porque nós, se há coisa que nos preocupamos é com os nossos alunos. E até podemos fazer a greve naquele dia em concreto. Mas há mais dias para fazer exames.
CNN // Manuela Micael
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